OS ENIGMAS DA TALASSEMIA ALFA
Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum, BM
Professor Titular pela UNESP
Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia de SãoJosé do Rio Preto, SP
A talassemia alfa é o nome que se dá para situações em que se encontram a presença de Hb H nos eritrócitos ou na eletroforese de hemoglobina. Dependendo das concentrações de Hb H, a alassemia alfa pode ser classificada em assintomática sem anemia (talassemia alfa mínima), assintomática com discreta anemia microcítica e hipocrômica (talassemia alfa menor), sintomática com anemia de grau moderado (talassemia alfa intermédia ou doença de Hb H) e sintomática com anemia acentuada (talassemia alfa maior ou síndrome da hidropsia fetal) com morte fetal ou prematura.
Os enigmas da talassemia alfa estão relacionados com a forma assintomática sem anemia ou talassemia alfa mínima. Esta forma é muito comum na população mundial, com prevalências variáveis entre 10% e 20% na maioria dos países europeus e continentes americanos, 30 a 40% nos países africanos e 30 a 70% nos países que compõem o sudeste asiático. No Brasil, vários estudos estimam sua prevalência entre 15 e 30%, conforme a região geográfica e sua constituição antropológica populacional, ou seja, regiões com maior contingente de população negra a prevalência é próxima de 30%.
O primeiro enigma da talassemia alfa está relacionado com a sua detecção laboratorial, uma vez que a presença de Hb H pode ter origem ou hereditária ou adquirida. Quando tem origem hereditária é possível encontrá-la no sangue dos pais e dos irmãos da pessoa em que foi detectada a Hb H. Mas, quando a origem é adquirida não é possível encontra-la nos pais e irmãos.
Assim, esse primeiro enigma, desconhecido pelos médicos e profissionais de laboratório, causa muita confusão e desconforto para quem tem a talassemia alfa mínima e para quem fez o diagnóstico. Obviamente, a forma hereditária é mais comum que a adquirida, algo em torno de 9:1. A primeira constatação da forma adquirida realizada no Brasil foi publicada na Revista Brasileira de Patologia Clínica, vol. 24, nº 3, pgs. 98-101, 1988, em doentes com leucemias e linfomas.
Nesse trabalho comparativo entre doentes e não-doentes, mostrou que 46,6% dos doentes com leucemias e linfomas tinham Hb H, simulando a talassemia alfa mínima, enquanto que apenas 3,9% dos não doentes tenham a Hb H. Concluiuse que os medicamentos quimioterápicos poderiam estar instabilizando moléculas do DNA do gene alfa, resultando na sua degradação e, portanto, induzindo o aparecimento de Hb H – a Hb H é formada por quatro globinas beta “livres” que não tiveram a possibilidade de se agregarem com globinas alfa, pois essas se degradaram.
O segundo enigma da talassemia alfa mínima está relacionado como seu “desaparecimento” em pessoas que já haviam sido diagnosticadas com a presença de Hb H. Como se sabe, algumas das 45 mutações que dão origem à talassemia alfa são instáveis, ou seja, há momentos que suas expressões genéticas são de tal ordem que permitem a identificação da Hb H, porém, na mesma pessoa, em alguns momentos da sua vida, essa expressão diminui espontaneamente (ainda não se sabe a causa) e a Hb H deixa de ser visível citologicamente ou na eletroforese de hemoglobina. Além disso, outras duas situações poderiam explicar esse enigma. Uma situação peculiar é quando o paciente portador de talassemia alfa mínima tem associado a anemia ferropriva à esta condição. Neste caso, a deficiência de ferro interfere na síntese de hemoglobina diminuindo-a, porém, com maior impacto na formação da Hb H, reduzindo-a a concentrações muito baixas que dificultam sua visualização citológica ou a sua detecção na eletroforese. A outra situação é quando há a ocorrência conjunta, numa mesma pessoa, da associação de talassemia alfa mínima com talassemia beta menor. Neste caso, devido à diminuição do desequilíbrio que ocorre entre as globinas alfa (na talassemia alfa) e globinas beta (na talassemia beta) é freqüente o prejuízo nos diagnósticos laboratoriais de talassemia alfa mínima, pela completa ausência de Hb H, e de talassemia beta menor, pela não elevação da concentração de Hb A2. O terceiro enigma envolve as análises moleculares. Muitas vezes o médico solicita a comprovação por técnicas moleculares da presença de Hb H diagnosticada citologicamente ou letroforeticamente. Na maioria das vezes a comprovação não é positiva e esse fato gera constrangimentos para o paciente e para os laboratórios envolvidos. O que ocorre na realidade é que os laboratórios de apoio não usam os 45 marcadores moleculares de mutações, pois o custo é muito alto. Desta feita, se faz o uso de cinco a doze marcadores “mais comuns” de identificação de lesões moleculares de talassemia alfa. É evidente que não se leva em consideração a grande diversidade racial que compõem determinadas populações e, nesse contexto, mesmo com a tecnologia molecular disponível, se torna difícil explicar essa desconexão de resultados.
Sugiro aos colegas que se interessarem por conhecerem mais sobre talassemia alfa que acessem o site de nossa autoria: www.talassemia.com.br