EOSINOFILIA DE CAUSA AMBIENTAL
Paulo Cesar Naoum, biomédico, professor titular pela Unesp e diretor da Academia de Ciência Tecnologia de São José do Rio Preto, SP
Eosinofilia é uma indicação citológica que se refere ao aumento numérico da quantidade de eosinófilos no sangue. Essa situação geralmente ocorre como reação natural do organismo frente a algumas patologias específicas, por exemplo, parasitoses intestinais, alergias em geral, etc. Ocorre, também, por herança familiar em que vários membros de uma mesma família tem o aumento destas células no sangue, porém sem consequências aos portadores. Em neoplasias hematológicas, notadamente a leucemia mielóde crônica, a eosinofilia geralmente tem elevações numéricas expressivas em valores absolutos. Há também a síndrome hipereosinofílica em que os eosinófilos podem representar entre 30 a 50% do total de leucócitos e, por isso, desencadear reações patológicas teciduais por conta da liberação dos seus grânulos celulares. Entretanto, não me lembro de ter lido em nenhum dos livros de hematologia que consultei em minha vida profissional o tema deste artigo, a eosinofilia ambiental. É muito possível que este tipo de eosinofilia possa ter sido detectada por colegas profissionais de bancada, qual seja, aqueles que analisam diariamente dezenas a centenas de sangue. De qualquer forma, pela sua importância, passo a relatar o que se segue. Por volta dos anos 90, quando era proprietário de três pequenos laboratórios em cidadezinhas da região de Rio Preto, em um deles os exames hematológicos insistiam em apontar eosinofilias em cerca de 70% das amostras de sangue submetidas às análises de rotina. Eram comuns valores relativos de eosinófilos variarem entre 5 e 25%, ou seja, estavam elevados frente aos valores padrões normais de 2 a 4% do total de leucócitos do sangue. Por um ano estas eosinofilias me desafiaram intrigantemente. Inicialmente imaginei que as mesmas fossem de origem familiar, pois membros de uma mesma família também as tinham. Mas, esta possibilidade foi afastada devido à alta prevalência de eosinofilia na população que se submetia às análises periódicas de sangue . Exames parasitários de fezes foram negativos em 4/5 das pessoas que tinham eosinofilias, portanto, a eosinofilia não era por infestação parasitária intestinal. Este enigma perdurou até o dia em que ao percorrer um caminho viário diferente ao que estava acostumado, passei ao lado de uma represa que fornecia água para o abastecimento da cidade. Esta represa tinha uma ampla margem em que centenas de bois e vacas usavam para beberem água e se banharem. Mas ao parar meu automóvel para apreciar a cena, pois sabia da importância da represa para a cidade, observei que bois e vacas também urinavam na água, e para completar a cena havia muito esterco bovino ao longo das margens da represa. Este fato mostrou que certamente causa da eosinofilia poderia ser por água contaminada, pois mesmo sendo tratada para consumo pela forma de decantação, os microrganismos fecais de origem bovina flutuavam na água consumida. Há cinco anos a prefeitura passou a tratar a água com filtros e produtos químicos, e a eosinofilia nas amostras analisadas passou a ser similar à maioria do que se verifica em laboratórios de outras cidades. Dessa maneira foi possível acrescentar às causas de eosinofilias aquela de origem da água contaminada, que passou a ser qualificada por eosinofilia ambiental.